AGRICUTURA FAMILIAR – RUMO À PROSPERIDADE!

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July 18, 2023 by cascavanini


Elisio Contini e Pedro Abel

Há uma vasta literatura mundial e no Brasil sobre o tema “agricultura familiar”, descrevendo suas características, seus desafios, problemas e propostas de solução. Ainda que não se confunda com “pequenos produtores”, estão os conceitos e políticas fortemente relacionados. A maioria dos agricultores pobres se encontra na chamada agricultura familiar. Estes conceitos ainda têm sido utilizados para políticas públicas e, em algumas ocasiões, como ideologias de interesses políticos; em alguns casos em confronto com a agricultura empresarial.

No Brasil, o conceito de agricultura familiar remonta ao Estatuto da Terra com a Lei 4504 de 30 de novembro de 1964. Suas diretrizes básicas, porém e vigentes até hoje, foram estabelecidas pela lei 11.326 de 24 de julho de 2006, considerando o tamanho da propriedade: menos de quatro módulos fiscais; utilizar pelo menos metade em força de trabalho familiar na atividade rural; sua renda familiar seja predominante do estabelecimento rural; e a gestão do estabelecimento seja estritamente da família.

Dados recentes do Censo Agropecuário de 2017 indicam uma redução de 9,5% no número de estabelecimentos de agricultura familiar, e a perda de 2,2 milhões de trabalhadores, em relação ao Censo de 2006. Dentre os 5,1 milhões de estabelecimentos rurais do país, aproximadamente 3,9 milhões foram caracterizados pelo IBGE como de agricultura familiar, representando 77% dos estabelecimentos, com forte concentração no Nordeste (47,2%)(Figura 1). Em termos de área, ocupa 23% da área agrícola total, e tem importância em algumas culturas como fruticultura (69% em abacaxi), em mandioca com 80%, 48% do café e 42% do feijão. A agricultura empresarial domina as grandes commodities, como milho, soja, arroz e algodão (IBGE, 2022).

A agricultura familiar também está inserida num contexto maior da economia e das relações sociais. No contexto global, vivemos numa economia de mercado, em que a eficiência produtiva competitiva é basilar, ainda que políticas públicas tenham por missão favorecer públicos em desvantagens.  Um segundo ponto a considerar é o Brasil urbanizado, com mais de 85% de sua população vivendo em cidades, muito diferentes dos anos 1960/70 em que a maioria da população vivia no campo, com forte predominância de agricultura de subsistência à época. 

Figura 1: Número de estabelecimentos rurais segundo Censo Agropecuário de 2017. Brasil e Macrorregiões.

Anos recentes, fortaleceu-se a nível mundial a globalização com aumento de demanda por alimentos e outros produtos do agro. Este novo contexto, favorece a perspectiva de que a agricultura familiar tenha chance de prosperidade, aproveitando a crescente demanda urbana, tanto nacional como externa. Afinal, este é o objetivo de uma sociedade civilizada de superação da pobreza, com melhoria de vida para todos os grupos sociais, incluindo os agricultores familiares.

Nos últimos 50 anos, a produção agropecuária transformou-se, produtores se especializaram em poucas culturas, inovaram em tecnologias, mas ficaram milhões de produtores pequenos à margem deste processo. Do ponto de vista econômico, a agricultura familiar, em sua maioria constituída por pequenos produtores, sofre forte impacto de imperfeições de mercado. Em termos práticos, devido à pequena escala, isto significa que produtores individualmente compram mais caros os insumos e vendem o produto em condições desvantajosas, principalmente de preços. Além disso, estes agricultores têm sérias restrições de terra, capital, água como no sertão nordestino e inclusive mão-de-obra devido à baixa mecanização. Viveram por muitas décadas em situação de pobreza (ALVES, 2006)

Em anos mais recentes, como sua produção está mais voltada para atendimento da demanda interna (feijão, frutas, hortaliças, mandioca), não puderam se beneficiar do aumento de preços das principais commodities (soja, milho, algodão) no mercado internacional.  Além disso, ressentem-se mais do que as grandes empresas agropecuárias, das deficiências em infraestrutura física e digital. Poucas regiões do interior do País têm internet de qualidade que permita obter informações técnicas e de mercado.

Mas não há somente problemas a relatar. Ressaltem-se enormes progressos obtidos, nestas últimas décadas, pelo melhor funcionamento dos mercados e por políticas públicas mais racionais. O cooperativismo do agro é o primeiro deles, com mais de um milhão de cooperados no País, o que permitiu superar em grande parte as imperfeições de mercado na compra em volumes consideráveis de insumos com preços vantajosos e preços compensadores na venda. Como estratégia de diminuição nas intermediações na comercialização, cooperativas implantaram indústrias de processamento de produtos primários e verdadeiras gigantes de exportação. Outro mecanismo de mercado que melhorou as condições produtivas de muitos agricultores familiares foi o sistema de integração, particularmente de suínos e aves, muito presente nos estados do Sul do país.

Em políticas públicas, ressalte-se o crescimento do financiamento do PRONAF nos Planos Safras de anos recentes atingindo a R$ 39,34 bilhões[1] para a safra 2021/22, com juros de 3% a 4,5%, o que inclui subsídios elevados para o patamar de inflação atual. A aposentadoria rural tem ajudado a suavizar problemas financeiros de pequenos produtores.  Em 2019, contabilizaram-se 3,3 milhões de aposentadorias rurais no Nordeste. Destacam-se ainda outros programas de governo como a merenda escolar e a distribuição de cestas básicas, inclusive durante a pandemia.

O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento criou uma Secretaria de Agricultura Familiar com amplas atribuições de apoio, como assistência técnica, cooperativismo. Organismos de representação como a Confederação Nacional da Agricultura e a Organização das Cooperativas Brasileiras também desempenham funções de apoio a esta classe de agricultores, como defesa de direitos, pressão para políticas agrícolas, assistência técnica. Também o SEBRAE tem forte atuação para o fortalecimento da pequena agricultura. Finalmente, destaca-se o trabalho de informação da mídia (TV, rádios, jornais, ou outras publicações) levando informações técnicas e de mercado para esse grupo de agricultores.

Louvável foram os progressos na agricultura familiar, com apoio das políticas públicas, do avanço dos mercados e da força dos próprios agricultores. Há que se reconhecer que muitos problemas subsistem e demandam esforços redobrados para sua solução, nos próximos anos ou décadas. O primeiro é a titulação definitiva de pequenas propriedades, principalmente as de planos governamentais de reforma agrária, estimadas em aproximadamente um milhão de propriedades, a maioria com baixo retorno econômico (Freire Mello, 2016). Muitos assentamentos foram realizados longe de mercados consumidores e na região Amazônica em que é permitido cultivar apenas 20% da área. A maioria das propriedades de agricultores familiares está no Nordeste, em regiões de poucos recursos naturais, com deficiência de água e em um entorno (grandes cidades progressistas) pobre. Este fator limita a expansão da produção, já que o mercado tem dificuldades em absorvê-los.

Ainda que em anos recentes tenha melhorado, há deficiências em infraestrutura física, como estradas para o escoamento da produção. Mais recente, constatam-se obstáculos na implantação de infraestrutura digital que permita aos pequenos produtores acesso a informações técnicas e de mercado, em tempo real. Um problema básico que atinge fortemente a agricultura familiar é uma educação de qualidade para filhos de agricultores, mesmo que não venham a permanecer em atividades agrícolas. Do ponto de vista da política agrícola, o maior problema para o desenvolvimento da agricultura familiar é um sistema de seguro rural eficiente, que permita reduzir riscos na produção (RODRIGUES, 2018).

O mais importante refere-se a ações públicas e privadas para viabilizar progresso econômico e social da agricultura familiar, no curto e médio prazos. O que se espera do governo é a continuidade de programas de apoio à produção, como a longa cooperação em cooperativismo. Na parte social, para agricultores sem perspectivas de progresso na agricultura, a aposentadoria rural e Bolsa Família são instrumentos eficientes para enfrentar situações de miséria. A prosperidade de agricultores familiares no futuro depende também de educação básica de qualidade e treinamentos para atividades rurais e não rurais por parte de governos estaduais e entidades de classe como a CNA.

A dimensão do número de propriedades de agricultura familiar de 3,9 milhões exige também novas formas de negócios, como transformação de fazendas em lazer e roteiros turísticos, artesanato rural, gastronomia. Uma região modelo é o Vale dos Vinhedos no Rio Grande do Sul. Onde o entorno é favorável, como grande parte do Centro Sul do País e em áreas de praia do Nordeste, facilita a integração da agricultura familiar com o urbano. Afinal, a roça está se tornando chique! Uma vasta literatura tem recomendado o fortalecimento da extensão rural como instrumento de superação da pobreza para pequenos produtores. O próprio Ministério da Agricultura criou uma Secretaria de Agricultura Familiar demonstrando a importância política do tema.

Tanto as ações políticas como as privadas devem ser orientadas para a prosperidade da agricultura familiar. Pelo menos, para os produtores que desejam e apresentam condições mínimas para continuar na atividade.

REFERENCIAS

ALVES, E. (Editor técnico). Migração Rural-urbana, Agricultura Familiar e novas Tecnologias, Brasilia, Embrapa, 181 p.

FREIRE MELO, P. Assentamentos Rurais no Brasil: uma releitura. Texto para discussão n 45. Embrapa. 2016 278 p.

IBGE. www.ibge.gov.br. Censo Agropecuário de 2017. Acesso em jan de 2022.

WEDEKIN, I. (Organizador). Política Agrícola no Brasil – O agronegócio na perspectiva global. wdk agronegocio ltda. São Paulo. 2019. 355 p.


[1] No Plano Safra de 1999/2000, o valor nominal do Pronaf foi de apenas R$ 2,1 bilhões e na safra 2009/10 de R$ 12,6. (WEDEKIN, 2019).

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